quarta-feira, 7 de outubro de 2009

DEBATE ABERTO: Estamos na América ou no continente Africano?

Honduras e o futuro das Américas

O professor Luís Carlos Lopes afirma em seu artigo no site da Revista online Carta maior que "Em Honduras, um passado que parecia superado voltou com força total. O pesadelo retornou, como um filme de terror de péssimo gosto. As técnicas são as mesmas de sempre. O governo golpista mente e mente contando com a benevolência das direitas mais raivosas das Américas.

O caso de Honduras traz a memória de tantos golpes de Estado e de governos ditatoriais, comuns na América Latina, entre as décadas de 1960 e 1980. A América Central, onde fica este pequeno país, foi afogada em sangue, miséria e ignorância, a partir de episódios similares. Nenhuma ditadura trouxe a paz e a conciliação, baseada em algum nível de justiça social. Nesta região, elas geraram incruentas guerras civis revolucionárias, respondidas a política de terror de Estado, baseadas no controle da opinião, na tortura e em execuções sumárias. A ordem e a normalidade constitucional pretensamente pretendida pelos ditadores, sempre significaram um poço sem fundo, um mundo sem solução.

O modelo costa-riquenho – o coração civil das Américas – foi desdenhado pelos verdadeiros sujeitos articuladores destes tipos de governo. O esquema é simples. As elites agro-exportadoras, os proprietários das terras e dos negócios, aliavam-se às incipientes burguesias locais e às frágeis classes médias. Iam ao poder garantindo pela força militar seus negócios e privilégios. Oprimiam a maioria, sem qualquer cerimônia, tal como no passado colonial espanhol.

As forças armadas funcionavam como instrumentos de políticas das mesmas elites, fundindo-se, tais como partidos políticos, às frentes da reação e do controle da população. Perdiam qualquer finalidade de defesa do país e se transformavam em gendarmes de controle da população. Aceitavam um papel subalterno e, dizendo-se patrióticas, defendiam de fato os patrões internos e externos. Os militares transformavam-se em grandes polícias fardadas especializadas em tentar conter qualquer tentativa de melhoria social ou de democratização, mesmo que formal.

Durante muito tempo, esta solução de força contou com o apoio norte-americano que, em algumas oportunidades, chegou a intervir militarmente na região. Os poderosos interesses econômicos e políticos-estratégicos norte-americanos, mormente depois do sucesso da revolução cubana, mas mesmo antes, fundamentaram um apoio irrestrito à opressão centro-americana.

Questões étnicas e culturais ajudaram a completar o quadro dantesco de uma região tributária das maravilhosas e antigas culturas indígenas americanas, sobretudo, da civilização maia. Ainda hoje, no caso hondurenho, vê-se que Zelaya é um mestiço de brancos com índios e Micheletti, pelo nome, figura e arrogância, é um membro das elites brancas originário de imigrações mais recentes. As imagens das ruas de Tegucigalpa mostram a real identidade étnica do país que deveria ser motivo de orgulho e não do desprezo conhecido que as elites brancas lhe devotam.

Em Honduras, um passado que parecia superado voltou com força total. O pesadelo retornou, como um filme de terror de péssimo gosto. As técnicas são as mesmas de sempre. O governo golpista mente e mente contando com a benevolência das direitas mais raivosas das Américas. No Brasil, elas estão em polvorosa. Viúvas e saudosos da ditadura deixaram cair a máscara, declarando que desejariam que o país não tivesse adotado a postura da defesa de Zelaya.

A política de Estado de Honduras é a dos militares, a da repressão e a da tentativa de controlar as massas que não foram reduzidas à nova ordem. Censura, prisões, mortes etc compõem o esforço destes fascistas de almanaque de impedir o retorno ao poder do presidente eleito.

A estratégia dos usurpadores do poder, agora chamados por parte das grandes mídias brasileiras de ‘governo interino’ é de tentar fazer eleições fraudulentas e controladas pela força das armas. Estas serviriam para legitimar o novo governo frente aos olhos internos e, sobretudo, buscando a aprovação norte-americana e européia. Eles querem criar a ilusão de democracias burguesas de araque, tal como existem, em outros países latino-americanos.

O problema é que a volta de Zelaya, contando com o apoio explícito do governo brasileiro, atrapalhou o planejado. Agora, ninguém sabe o que virá ocorrer. O controle estritamente militar das massas é tarefa difícil. Zelaya vem demonstrando coragem e, ao contrário do velho script latino-americano, não aceitou asilar-se e cuidar de sua própria vida.

Não é difícil recordar, guardando-se as proporções, da figura de Allende, resistindo até a última bala no Palácio La Moneda. De dentro da embaixada brasileira, protagonizando um episódio político e diplomático inédito, o presidente hondurenho continua a resistir e a propor ao seu povo a clássica desobediência civil. Pela primeira vez, o governo brasileiro honra com imensa dignidade seus compromissos com a normalidade democrática do conjunto das Américas.

Os Estados Unidos, ao contrário do passado, não se alinharam automaticamente. Obama não apóia e nem pensa em se meter diretamente na questão, em virtude dos problemas internos gerados pela crise econômica que o país vem enfrentando e por priorizar outros interesses geopolíticos, tal como a questão iraniana. Pela primeira vez, na história latino-americana, ao invés de apoiar um golpe de Estado, o governo brasileiro o condenou clara e abertamente na assembléia geral das Nações Unidas. Portanto, ainda não é possível saber o desfecho desta história. Todavia, desta vez o golpe e os golpistas, mesmo se vitoriosos, pagarão pelos seus atos, destoando do passado, onde facilmente se legitimavam.

(*)Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros
Carta Maior - 29-09-2009
www.cartamaior.com.br
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Num texto intitulado Revisando Velhas Pragas (2008), de autoria deste Editor, as primeiras linhas iniciam relembrando que "Em 1988, numa canção intitulada Check-up, nosso roqueiro mais famoso, Raul Seixas, cantava: “Acabei de dá um check-up geral na situação, o que me levou a reler Alice no país das maravilhas” (SEIXAS, 1988). [...]

[...] Não satisfeito com o que viu quando releu as “maravilhas” do mundo encantado de Alice e com o desejo de compreender o que acontecia em sua volta e poder relaxar, de fato, nosso rocker, ainda em frenesi, precisou tomar “um kilindrox, um discomell e outras pílulas banais”, uma vez que as aporias nesse reino misterioso aconteciam de maneira mirabolante. [...]

Parece que precisamos reler a obra de Charles Lutwidge Dodgson, ou Lewis Carroll, como também era conhecido, quiça re-tomar nosso kilindrox, nosso discomell ou outras pílulas banais...

As coisas não mudaram muito, especialmente quando lembramos o nosso "americanista brasileiro" Sílvio Júlio de Albuquerque Lima, que costumava ler a América Latina sempre como única... Traveller de carteirinha, reclamava do atraso intelectual dos países de nuestra América. Na obra Folclore e dialectologia do Brasil e Hispanoamérica (1974), quando comenta sobre o escritor colombiano Juan Rodríguez Freile, autor da obra El Carnero, crônica picaresca sobre a sociedade colonial da cidade de Bogotá, apresenta uma análise sobre o contexto da conjuntura latino-americana reafirmando que mesmo vivendo em pleno século XX, vivíamos um verdadeiro atraso intelectual, salvo algumas exceções (*).

Como já foi dito anteriomente, e, pelo que se nota, serão sempre reditas, as coisas não parecem ter mudado muito nos últimos cem anos. Quem manda no continente sul-americano é poder da baioneta... -neste momento, ou você pára e vai reler Alice no país das Maravilhas ou simplesmente lê os jornais - já vimos esse filme... nossos exilados políticos que o digam.
Para não irmos longe e concluir, repetimos as palavras do Prof. Flávio Aguiar (USP), que num texto célebre chamado A América Latina não existe, vem corroborar com o que sempre pregou Sílvio Júlio por tuda a sua vida:

"[Se a América latina não existe] Então, é necessário inventá-la. Antes de prosseguir, qualifiquemos estas frases. Quando digo que a América Latina não existe, quero dizer que ela é, na verdade, um projeto, um por fazer. Essa América Latina por fazer é, antes de tudo, um projeto cultural, e seu embrião é uma possível rede de trabalho intelectual que distinga raízes comuns e que estabeleça pontes de relação entre seus e com outros povos. [...] Não desprezo a questão econômica [...] não desprezo a questão política [...] Tudo isso é relevante, mas não é suficiente. A questão cultural é a decisiva. Sem sua consideração, não haverá aquele traço íntimo comum que permitirá a construção da verdadeira solidariedade na autodeterminação. Sem isso, a solução para aqueles graves problemas permanecerá emperrada. (AGUIAR, 2002, p. 65)"

Túlio Medeiros
Editor
DialogosenMercosur


(*)Medeiros, Carlos Túlio. A Literatura Sul-rio-grandense sob os olhos de Sílvio Júlio de Albuquerque Lima, dissertação de mestrado, UFRGS-RS, 2007.

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